quinta-feira, 15 de abril de 2010

Grande Edgar

Já deve ter acontecido com você.

- Não está se lembrando de mim?

Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?

Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.

Um, o curto, grosso e sincero.

- Não.

Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O “Não” seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.

Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.

- Não me diga. Você é o... o...

“Não me diga”, no caso, quer dizer “Me diga, me diga”. Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:

- Desculpe deve ser a velhice, mas...

Este também é um apelo à piedade. Significa “Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!” É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve à insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.

E há o terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.

- Claro que estou me lembrando de você!

Você não quer magoá-lo, é isso. Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. (...)


Grande Edgar, by LFV (leia mais aqui)

Concordo com a borboleta, as mentiras que contamos para nós mesmos são terríveis. Pior ainda quando nós passamos a acreditar nelas, com ardor. Por outro lado, com todo seu brilhantismo (você perdeu essa, Madame Butterfly), LFV também acerta em relação a essas mentirinhas sociais que contamos, quase inocentemente, mas que depois podem conseqüências desastrosas (que digam as pernas do falso Rezende), e, por vezes, acabam magoando mais que as verdades dolorosas. (Afinal, essa verdade ia doer em quem mesmo? Em quem está contando ou em quem está ouvindo?)


Enfim, eu minto/omito. Minto pela saúde do meu bebê (o bolo acabou, e termino em pensamento: por hoje), minto pra minha mãe (ah, tô me alimentando bem nos horários, como um reloginho suíço... quebrado, completo para mim mesma - essa foi pra escapar do carão) e minto pra mim mesma (hoje eu escrevo no nosso blog).


E, pra terminar, uma mentira bem deslavada:


É um devaneio aleatório, nada a ver com a nova integrante do blog: eu detesto essas pessoas que tem um nome assim, parecido com o nosso; um senso de humor (e gargalhada) parecido com o nosso, uma casa vizinha à nossa, um emprego na mesma instituição que a nossa, e uma irmã que parece a nossa... Assim, detesto mesmo. Essas pessoas a gente tolera, dá bom dia, essas coisas...


Nada a ver com você, Li Unafraid... Seja muito bem-vinda a nosso miolo de pote e fique à vontade para fazer seus comentários sagazes e bem-humorados em qualquer dos potes que tenham esbanjado água por aqui... Estamos entre amigas! Aliás, amigos, uma vez que tem um leitor masculino em algum lugar...



(...)



Menti de novo! Não podia terminar sem a melhor parte do texto do Veríssimo...


(...) O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. “Que bom encontrar você!” e paf, chuta uma perna. “Que saudade!” e paf, chuta a outra. (...)



Agora terminei.

5 comentários:

Renato disse...

A primeira vez foi no mercado, cumprimento efusivo com esses mesmos olhos brilhantes e dizendo "tem tanto tempo que não te vejo e blablabla". Dessa escapou rápido pegando tudo que via nas prateleiras sem ter um cesto ou um carrinho, se despediu rápido e correu pro caixa. Na segunda vez foi mais difícil, conversou mais de uma hora na sala de espera de um hospital. Ela sabia seu nome, dos seus amigos e não se tinha idéia de quem fosse. Mas a Milene é dessa gente gostosa de estar, fala e fala e fala, conversa com vontade, dá risada, se abre. Investigou por mais de uma hora e voltou com o ponto de interrogação sem saber de onde surgiu a garota "se lembra de mim". O mais incrível desse papo é que o mistério acabou tem cinco minutos: eu aqui quieto vendo o pote, abri a janela desse comentário e ela veio da cozinha dizendo "sabe que eu to fazendo uma associação agora? aquela garota que me encontrou duas vezes é a Tal, blablabla".

;)

Nanica disse...

Adoro quando a Lica bota esse negócio de "leia mais aqui". Fica parecendo blog de gente grande rsrs

Nanica disse...

Esqueci de dizer o mais importante: adoro quando a Lica bloga! Eita Nanica pra babar essas irmãs!

Milene Cavalaro disse...

Incrível essas coisas que acontecem sem que nós possamos pensar em uma reação razoável...rsrs
E comigo acontece muito, as pessoas me conhecem, sabem mesmo quem sou e eu quase fico louca quando não consigo me lembrar !!!
Pulo no abismo muitas vezes, mas adoro gente, conversar e aí fica tão natural que as pessoas acabam não se importando se realmente me lembrei ou não...
Milene

Lica disse...

Uau, comentários inéditos...

Renato, Milene, sejam bem-vindos ao nosso humilde blog. Embora concorde com LFV que é um pulo no abismo, eu geralmente embarco no papo: oi, tudo bom... A sorte é que geralmente me lembro da criatura no meio do papo.

Bom, nova semana, novo pote. Vou ler o que nos reserva...